A superexposição de crianças e adolescentes nas redes sociais representa um desafio complexo da sociedade contemporânea, marcada pela crescente digitalização das relações humanas. Este fenômeno, conhecido como "sharenting", ocorre quando pais e responsáveis compartilham excessivamente imagens, vídeos e informações pessoais de menores em plataformas digitais, muitas vezes sem considerar os impactos a longo prazo. A prática, embora motivada pelo desejo de registrar momentos importantes, traz consigo riscos significativos que vão desde violações de privacidade até consequências psicológicas graves.
No Brasil, onde cerca de 90% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos possuem acesso à internet segundo dados da pesquisa TIC Kids Online 2023, a questão ganha especial relevância. O ambiente digital oferece oportunidades valiosas para desenvolvimento e socialização, mas também expõe os jovens a perigos como cyberbullying, roubo de identidade e até mesmo aliciamento por parte de criminosos sexuais. A legislação brasileira tem respondido a esses desafios com instrumentos como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que estabelece proteção especial para dados de menores, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante o direito à privacidade e proteção integral.
A responsabilidade civil dos pais e tutores nesse contexto é clara. O Código Civil brasileiro estabelece que os responsáveis legais podem ser acionados judicialmente por exporem seus filhos a riscos desnecessários, com base nos artigos que tratam da responsabilidade parental. Jurisprudências recentes têm demonstrado essa tendência, como no caso em que pais foram condenados a indenizar o filho por compartilharem imagens constrangedoras durante sua infância, que posteriormente foram usadas para bullying na adolescência.
Os danos psicológicos decorrentes da superexposição são particularmente preocupantes. Estudos acadêmicos demonstram correlação entre o uso excessivo de redes sociais e o aumento de casos de ansiedade, depressão e baixa autoestima entre adolescentes. A pressão por manter uma imagem pública idealizada, somada à impossibilidade de controlar como conteúdos compartilhados na infância serão interpretados no futuro, cria um terreno fértil para problemas emocionais que podem persistir na vida adulta.
Além dos aspectos psicológicos, existem riscos concretos de segurança. Metadados embutidos em fotos podem revelar localizações precisas, enquanto imagens aparentemente inocentes podem ser manipuladas digitalmente e usadas de forma maliciosa. Casos investigados pela Polícia Federal demonstram como redes criminosas se aproveitam do material compartilhado por famílias em perfis aparentemente inofensivos.
Diante desse cenário, torna-se essencial promover uma mudança cultural no modo como encaramos a privacidade digital de crianças e adolescentes. Isso inclui desde a educação digital de pais e filhos até a implementação efetiva das políticas de proteção já existentes na legislação. Plataformas digitais também têm seu papel a cumprir, desenvolvendo ferramentas mais robustas de privacidade e respondendo com agilidade a solicitações de remoção de conteúdo envolvendo menores.
O equilíbrio entre os benefícios das redes sociais e a proteção dos direitos das crianças e adolescentes exige esforço conjunto de famílias, escolas, poder público e empresas de tecnologia. Enquanto a tecnologia avança rapidamente, nosso entendimento sobre seus impactos no desenvolvimento infantil ainda está em construção. O que sabemos com certeza é que a privacidade e a segurança de menores não podem ser sacrificadas em nome do compartilhamento desmedido, e que cada postagem envolvendo crianças deve ser precedida de cuidadosa reflexão sobre seus potenciais efeitos no presente e no futuro.